Friday, February 02, 2007

Dódó

Quando eu era pequena, tão pequena que não lembro, falava dódó em vez de vóvó, trocando o v pelo d. Nessa época meus avós moravam em uma casa imensa, com uma cozinha grande e cadeiras borboleta turquesas.

Minha avó nunca dava balas ou refrigerantes para a gente, minha mãe não queria e estragava os dentes, dentista custava caro. Vovó foi moça pobre e, se a vida melhorou, também nunca deixou de ser de muito trabalho. Sabia o valor do dinheiro.

Para mim e meu irmão, ela fazia as coisas que só avó faz. Mingau para ele; para os dois, ovos estrelados na manteiga, com a borda marrom feito renda, sempre que a gente pedia (e nós queriamos sempre), mas com a condição de comer o arroz e o feijão e a salada também. E minha mãe brigava, só um pouquinho, que ela fazia todas as nossas vontades.

Eu olhava para o prato e imaginava o feijão como uma montanha, o arroz era o deserto e a salada a floresta. O tempo passou e esqueci o que pensava que era o mar. Também perdi na memória o que ela fazia só para mim, a sua Raquelzinha.

Minha avó cozinhava bem. Não era cozinha sofisticada, mas era farta, boa. Bacalhoada, frango na cerveja. Minha mãe era criança e fez aniversário, ela preparou um peru. Um convidado virou e falou: "Me passa uma perna desse galo!". Vovó ficou passada.

Na casa da minha avó tinha uma mangueira enorme e ela pedia para um empregado pegar as mangas com aquela vara comprida com lata amarrada na ponta. Ela e meu irmão chupavam as mangas e eu só olhava, porque não gostava. Mas sempre tentava usar o pega-manga sozinha. Era pesado e eu, sem jeito.

Ela fazia arroz de tomate. Refogava o arroz e jogava uns pedacinhos bem miudinhos de tomate, quando ficava pronto, o arroz ganhava uma coloração ligeiramente avermelhada, um sopro de cor, com minúsculos fiapinhos de tomate aqui e ali.

O pudim de leite dela era sempre fresquinho, saído do forno, quentinho porque era como meu avô adorava.

Quando resolvia fazer cocada branca, eu ficava rondando, porque vóvó ralava o coco ela mesma e aqueles pedacinhos que ficavam muito pequenininhos para ralar sem machucar a mão eram meus. As cocadas dela esfriavam em cima do mármore da pia, branquinhas por fora, puxas por dentro. Às vezes, vovó fazia cocadas pretas, ou mais moreninhas, mas todos queriam as brancas. Ninguém jamais fez cocadas brancas melhores.

Minha avó deixava o arroz pegar um pouco na panela de propósito, só porque sabia que eu e meu irmão gostávamos da rapinha queimada.

Hoje faz 16 anos que minha avó morreu.

Saudades, dódó, saudades.

Muitas saudades.

6 Comments:

Blogger Fer Guimaraes Rosa said...

que fofinha sua avó! e que sorte a sua de ter convivido com ela. beijao! :-)

11:11 AM  
Blogger kuka said...

Também eu sinto uma nostalgia imensa quando me lembro da minha avó.

1:37 AM  
Anonymous Anonymous said...

Não consegui conter uma lágrima aqui... que bom que você teve uma dodó assim! Perdi meu dodô em Outubro/2006 e estou com muitas saudades da dodó. Minhas memórias são assim como as suas.
Só posso desejar que você seja uma dodó maravilhosa como a sua foi.
Um beijo!

9:36 AM  
Anonymous Anonymous said...

Lindo o post e parabéns pelo (outro) blog! Adorava cozinhar e era super prendada. Só agora começo a resgatar o meu talento culinário. Mas ainda em doses homeopáticas.

11:21 AM  
Blogger A Dona do Bloguinho said...

Fernanda, Kuka, Verena (bem vinda!) e Cris,

obrigada pelos comentários e por mais uma visita ao meu bloguinho.

A minha avó era tudo. Sinto muitas saudades dela.

Fezoca, minha avó era fofíssima.

Kuka, as saudades são imeeensas.

Verena, adorei seu blog.

Cris, eu como melhor do que cozinho. :p

Bjs bjs

Raquel

2:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Acabo de conhecer seu blog e adorei. Voce escreve de modo delicioso. Parabéns! Ao discorrer sobre sua avó, pareco estar vendo as cenas. Foram mulheres admiráveis, com poucos recursos de que dispomos hoje ( lava loucas, máquinas de todos os tipos, etc) e ainda asssim davam conta de tudo além de procurar agradar aos netos. Quanta saudade! Resido em Atibaia e bem conheco a festa do morango.
Grande abraco
M Célia

2:50 PM  

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